Personagens da Festa

Velho da Bugiada é o líder dos Bugios e a personagem principal da festa. O seu traje, embora pareça o mesmo a cada ano, é feito com pormenores que são personalizados de acordo com o gosto de cada um. O escolhido, a cada ano, para interpretar o papel de Velho tem também a missão de escolher os Guias e Rabos da Bugiada (são os Bugios que ocupam os extremos das filas) e também das restantes personagens da Festa: quem sobe ao castelo, quem dá tiros, quem dá a pólvora, os advogados, quem cobra os direitos, quem lavra, quem semeia, quem grada e quem interpreta o sapateiro, a sua mulher, o cego e o seu moço. Para tal, nos primeiros dois ensaios recebe candidaturas e, no final do terceiro, anuncia a decisão. Cabem-lhe ainda outras responsabilidades, como seja tratar do cavalo das Embaixadas, dos burros da sementeira determinar o monte onde no sábado anterior à Festa, Bugios e Mourisqueiros vão cortar os pinheiros para a construção dos castelos.

Reimoeiro é o líder da formação dos Mourisqueiros. A chegada ao posto mais alto do grupo está reservada a quem cumprir o percurso desde Meio (2 anos), Rabo (2 anos) e Guia (2 anos) e, já que são duas filas, portanto dois anos em cada posição, e ao sétimo ano poderá ser Reimoeiro, caso se mantenha solteiro. Muitos jovens que se encontram neste percurso chegam mesmo a adiar o casamento para poderem interpretar o papel de Reimoeiro. O traje é personalizado por cada um, distinguindo-se em geral do traje dos Mourisqueiros, nomeadamente nas dragonas e nos cordões dourados ou prateados cruzados no peito.

Às 15h têm início os Serviços da Tarde, que se iniciam com a Cobrança dos Direitos. O cobrador, um Bugio montado (ao contrário) num burro, acompanhado de um grupo de comparsas, percorre o Largo do Passal cobrando as ‘taxas’ aos comerciantes ambulantes que ali se encontram instalados naquele dia. Faz-se acompanhar por um livro de registos e um lápis improvisado que vai ‘molhando’ no ânus do animal que o transporta. Os direitos ou “taxas” são, normalmente em géneros, e, por isso mesmo, as barracas de comes e bebes são as mais visadas.

Nos trabalhos agrícolas, a lavra e sementeira têm uma ordem muito bem definida (lavrar a terra, gradar e, finalmente, semear). Na festa de Sobrado, estes atos são realizados em ordem inversa, cada qual por um lavrador que se apresenta sempre mascarado. Assim, o primeiro a fazer o percurso é o responsável por semear. Montado num burro ou mula, o lavrador percorre o Largo do Passal lançando sementes indiscriminadamente sobre os circunstantes por onde vai passando. Durante o ato, algumas ‘quedas’ promovem uma maior interação com o público. Um pequeno grupo de Bugios acompanha cada etapa, mais para abrir caminho e dar espaço aos rituais.

A lavra da praça continua com a tarefa de gradar. Com uma tosca grade puxada por uma parelha de burros, um segundo lavrador percorre o Largo do Passal, sempre pelo mesmo trajeto. Pelo caminho, fruto de muitas quedas e da forma desajeitada de a manipular, também a grade que utiliza se vai desfazendo, até não restar praticamente nada no final do percurso.

Igualmente mascarado, o último lavrador a entrar em ação nesta sequência inversa é o responsável por lavrar. Mais uma vez com um arado bastante primitivo e feito com pequenos troncos pregados uns aos outros, percorre todo o Largo do Passal, atirando-se sobre os espectadores, caindo e, algumas ocasiões, rebolando. Como é da praxe, o arado chega ao final totalmente destruído. Pela inversão destas operações da sementeira se diz nas terras vizinhas que os de Sobrado são “tolos” e “fazem tudo ao contrário”. Porém, esta sementeira é uma paródia ritual. E muitos rituais eram realizados de forma inversa, na cultura tradicional.

A Sapateirada ou Dança do Cego é uma das dramatizações mais aguardadas do dia, para os que gostam deste género de manifestações. Tem lugar a partir das 17 horas e tem, de novo, o Passal como palco privilegiado. O Sapateiro, acompanhado da sua Mulher e do seu Moço, conserta os sapatos, encerando-os com excrementos, enchendo-os de palha, lama e toda a porcaria que lhe esteja próxima. O calçado é atirado ao público que se junta em grande número, nos vários sítios em que a função se executa, mas em particular em volta de uma grande poça de lama feita propositadamente ao fundo do Largo do Passal, junto ao adro da igreja.

Mulher do Sapateiro, que surge sempre a fiar, é, tal como as restantes personagens desempenhada por um mascarado. Inicialmente acompanha o marido que lhe gaba a fidelidade e os dotes físicos. Mais tarde, com a chegada inopinada do Cego e do seu Moço ao local, a mulher enamora-se do Moço e foge com ele. Quando o marido se apercebe vai no seu encalço, entra em luta (de paus) contra o Moço do Cego e traz a esposa de volta.

Cego é uma figura itinerante que vive do que lhe dão. Desloca-se ajudado pelo Moço que o guia com o auxílio de uma longa vara. Às costas, o Cego carrega uma enxerga. Por descuido ou propositadamente, o Moço leva o Cego a chocar com o Sapateiro, estatelando-se os dois na poça de água enlameada. Abandonado pelo Moço, que foge com a mulher do Sapateiro, o Cego mergulhado no lamaçal, é objeto da ira do Sapateiro, mas vai estrebuchando, até ficar aparentemente inanimado. Nos trajetos imprevisíveis que faz pelo meio do público, vai procurando encostar-se com a enxerga enlameada, pondo todos em fuga.

Os Advogados são personagens que entram em cena aquando da Prisão do Velho, representando um os interesses dos Mourisqueiros e outro os dos Bugios. Vão mascarados, vestidos de labita e chapéu de coco alto, pretos, calça preta (o dos Mourisqueiros) ou branca (o dos Bugios) e luvas. Munidos cada qual de um livro de leis cujo conteúdo são alguns recortes de revistas e jornais colados, por norma de teor pornográfico, e de um pau ou bengala com que gesticulam, batem nas ‘ameias’ dos castelos e apontam às ‘leis’ contidas no livro. Surgem, inicialmente, cada qual no seu castelo, mas, na fase mais aguda do conflito, ambos se juntam no castelo dos Bugios, de onde são dos últimos a sair, aquando da Prisão do Velho.

Serpe é uma figura mitológica que, no S. João de Sobrado, assume uma forma alongada e esverdeada, sem membros, com uma grande boca, língua avermelhada saliente e terminando numa longa cauda. Encontra-se escondida, debaixo do castelo dos Bugios, que a vão buscar quando o Velho da Bugiada é aprisionado e levado pelos Mourisqueiros. Vendo-se derrotados, os Bugios munem-se da Serpe, vão avançando por etapas, numa trajetória que vai intercetar o caminho seguido pela força adversária. Ao ver a Serpe, os Mourisqueiros abrem uma brecha, o Reimoeiro assusta-se e deixa fugir o Velho, que se junta, de novo à sua formação.